Tesouro Direto chacoalhou, ‘saiu do ar’ e fechou março com perdas

Título atrelado a inflação desvaloriza quase 25% em apenas um mês, negociações foram suspensas diversas vezes e especialista avisa: leve sua reserva de emergência para fundos Selic

O mês de março foi marcado pelo desembarque do coronavírus com força total no Brasil. Os impactos econômicos, aqui e no mundo, estão sendo calculados e recalculados. A recessão na economia brasileira já é apontada como inevitável e o aumento no desemprego também. Assim como no mercado de ações, os preços e rentabilidades dos títulos do Tesouro Direto chacoalharam ao ponto das negociações serem suspensas por dois dias seguidos. O saldo do fim de março foi de fortes quedas nos títulos atrelados à inflação (Tesouro IPCA+) e leve alta nos títulos prefixados de curto prazo (2021 e 2022).

Confira o desempenho dos títulos no mês

A “foto” acima tem base nos preços dos títulos no último dia de março, mas o filme do mês teve muita emoção.

Os títulos prefixados de curto prazo, por exemplo, quase não sofreram alteração no acumulado do mês, mas as taxas dos DIs (Depósitos Interfinanceiros) para a mesma data, que servem de base para o ajuste dos preços dos títulos, chegaram a disparar de 5% para 8% em um só dia e atingiram seu limite de alta.

“Teve um momento de pânico, com o dólar subindo, a incerteza sobre o que pode acontecer e, na época, sobre o que o Banco Central faria com a Selic”, afirma Marilia Fontes, analista especialista em renda fixa da Nord Research.

No caso dos títulos com vencimento mais longo, como é o caso do Tesouro IPCA+ 2045, que perdeu 24,34% no mês, a desvalorização tem relação com as incertezas exponencialmente maiores para datas mais distantes.

“As pessoas estavam perdendo tanto dinheiro que resolveram zerar os títulos de mais risco. É normal que os longos piorem mais”, diz Marilia, destacando que os leilões realizados pelo Tesouro Nacional e a redução da Selic ajudaram a acalmar o mercado na segunda quinzena do mês.

Parou e irritou

Além das sacudidas na curva de juros, o mês de março ficará marcado pelas constantes suspensões dos negócios no Tesouro Direto. Ninguém comprava, nem vendia.

Interrupções dos negócios acontecem quando há alta volatilidade, o que pode alterar o preço dos títulos vendidos no mercado secundário. Assim, as pausas em dia de turbulência seriam para evitar grandes distorções de preço, segundo o Tesouro.

Mas dois dias inteiros sem negócios quando muitos brasileiros precisavam de dinheiro gerou polêmica. Afinal, o Tesouro Selic é amplamente utilizado por investidores para sua reserva de emergência.

Quando uma emergência de escala nacional surgiu, os investidores não tiveram acesso às suas aplicações que deveriam ter liquidez diária.

“Foi um erro enorme do Tesouro. Na hora que o investidor mais precisou de liquidez, ficou sem. Fechar por meia hora tudo bem, mas dois dias? Houve momentos em que as negociações estavam fechadas para o investidor pessoa física e o Tesouro fazendo leilão para investidor institucional“, afirma Marília.

Diante de protestos e reclamações, o Tesouro Nacional anunciou uma mudança em 13 de março. O Tesouro Selic, que quase não sofre alterações de preço e rentabilidade mesmo em dias mais caóticos, continuaria sendo negociado, dando a liquidez prometida pelo programa ao investidor.

“É o mínimo que o Tesouro pode fazer, mas não é suficiente. É preciso dar liquidez para o pequeno investidor sair a hora que ele quiser e ele tem que saber o preço. O que é possível fazer é colocar limite de alta nos títulos“, afirma Marília.

Qual título comprar?

Após a montanha-russa de março, os títulos prefixados de curto prazo voltaram praticamente aos mesmos níveis do fim de fevereiro, e os títulos atrelados a inflação e com vencimento mais longo estão menos atrativos.

“Não tem muito mais o que ganhar nesses títulos, a menos que o investidor acredite que o país vá passar por um processo inflacionário forte”, conta Marília, que prevê novos chacoalhões em abril.

Vale lembrar que o título do Tesouro Direto é uma renda fixa porque dá previsão ao investidor de quanto pagará ao fim de um período. Mas vendas antes do vencimento podem resultar em ganhos maiores ou mesmo prejuízos.

Para a reserva financeira, Marilia acredita que o Tesouro Selic já não é uma boa opção e orienta que os investidores busquem por fundos Selic, que têm liquidez D+0, ou seja, pagam no mesmo dia da solicitação, enquanto a aplicação direta em Tesouro Selic é em D+1, em que o dinheiro é disponibilizado no próximo dia útil.

Vários desses fundos têm zero de taxa de administração (caso do fundo DI da Órama e do BTG Pactual Digital), o que colabora para cancelar o efeito do desconto semestral de imposto de renda, enquanto os títulos do Tesouro Direto têm taxa de 0,25% ao ano.

Fonte: Valor Investe