Investimento coletivo em imóvel atrai investidor em plena crise, apesar do risco maior

Plataformas de ‘crowdfunding’ e ‘peer to peer’ imobiliário abrem captações e observam um aumento na demanda de investidores, justo quando o risco de inadimplência das incorporadoras está maior. Entenda para quem vale a pena

Em plena crise do coronavírus, fintechs de investimento coletivo no setor imobiliário têm atraído o interesse de pessoas físicas dispostas a emprestar dinheiro para construtoras, em troca de diversificação da carteira e retornos atrativos. Plataformas especializadas em “crowdfunding” — espécie de vaquinha virtual — e “peer to peer” — empréstimos entre pessoas — para empreendimentos abrem captações e observam um aumento na demanda de investidores, justo quando o risco de inadimplência das incorporadoras está maior.

A empresa Glebba abriu uma oferta de investimento em um empreendimento imobiliário logo que a quarentena começou, em março, e conseguiu todo o dinheiro que precisava em tempo recorde. A fintech captou R$ 3 milhões em duas semanas — o período médio é um mês.

“Foi uma surpresa para nós, no olho do furacão. Houve uma realocação de investidores que tomaram um susto na renda variável ou vieram da renda fixa, em busca de proteção do patrimônio e rendimento atrativo”, diz Francisco Perez, cofundador e chefe de investimentos da Glebba.

Ele diz que a maioria dos investidores já conhecia o modelo de investimento e que o valor mínimo de investimento foi alto, de R$ 50 mil. Agora, a plataforma planeja abrir outras três ofertas para medir o real apetite dos investidores e espera ter outras boas surpresas.

Já a empresa Urbe.me teve um volume de investimento menor do que o esperado em março e, logo no início da quarentena, resolveu não manter nenhuma captação no ar para entender como o mercado se comportaria na crise. No entanto, a plataforma sentiu uma demanda reprimida de investidores ao longo das semanas de isolamento e agora voltará a abrir ofertas na plataforma.

O investidor, porém, passará a receber uma distribuição mensal de retorno, e não mais só no final do prazo. “O investidor médio precisa de liquidez nesse momento de instabilidade”, diz Lucas Obino, sócio-fundador da Urbe.me.

Na empresa Bloxs, o tráfego de investidores na plataforma aumentou 20% nos meses de março e abril em relação à média. “Essa chacoalhada que o mercado tradicional deu levou essa geração ‘bull market’ (mercado do touro, expressão usada para momentos de alta dos ativos), que só viu o mercado subir, a entender que a volatilidade também faz parte, e a procurar um leque de investimentos alternativos”, diz Felipe Souto, CEO da Bloxs.

Essas fintechs vinham se difundindo diante da perspectiva de que o setor imobiliário entraria em um novo ciclo de crescimento. Agora, na crise do coronavírus, a procura dessas empresas do setor imobiliário em busca de financiamento mais que dobrou, segundo as plataformas.

Do outro lado, em um ambiente de taxa básica de juros, a Selic, na mínima histórica — em 3% ao ano, com grande chance de sofrer pelo menos mais um corte ainda em 2020 — existe uma demanda de investidores por investimentos de maior risco, que deem retornos mais altos. O retorno do investimento coletivo no setor imobiliário é de 15% ao ano, em média.

“Os investidores que têm liquidez estão com um problema na mão. O momento exige cautela para fazer investimento de risco, mas nas aplicações conservadoras, a rentabilidade está muito baixa. Então buscam algo que tenha risco equacionado e retorno acima da Selic”, diz Perez, da Glebba.

Risco maior na crise

Para escolher os investimentos que estarão disponíveis nas plataformas, as fintechs analisam o balanço e o histórico das incorporadoras e a localização e o custo dos projetos. Então, um comitê avalia se o empreendimento será bem vendido e se dará o retorno esperado.

Nesse tipo de investimento, se a empresa não quitar o empréstimo, porque quebrou ou não vendeu o empreendimento como esperava, o investidor pode ficar no prejuízo. As fintechs não garantem os rendimentos previstos. Cabe ao investidor analisar os relatórios disponibilizados on-line e decidir se topa o risco.

As plataformas dizem que fazem uma escolha muito rigorosa dos empreendimentos que oferecem, e que essa seleção está ainda mais criteriosa agora, em meio à crise, em que o risco de inadimplência das incorporadoras está maior. Nada de emprestar para empresas que estão com dificuldades financeiras, apenas para quem tem caixa e demonstra estar preparada para a crise.

Por conta desse risco maior, a empresa Expeer suspendeu todas captações e vai aguardar para ver o que vai acontecer com o cenário macroeconômico e com o setor imobiliário. “Decidimos não colocar investidores em risco agora, porque não sabemos o que vai acontecer”, diz Danilo Ribeiro, CEO da Expeer. “Preferimos ser mais cautelosos no curto prazo e resguardar nossa base de investidores para ganhar no longo prazo. Se tivéssemos aberto novas operações e desse algum problema de crédito, perderíamos lá na frente.”

A Bloxs, que faz investimentos coletivos não só no no setor imobiliário, tem aproveitado o momento ruim para financiar ainda mais projetos de outros setores que podem ganhar fôlego na crise, como nas áreas de energia e agronegócio. “Nos posicionamos como uma plataforma de investimentos alternativos. No setor imobiliário, naturalmente, precisamos ser mais seletivos, mas essa seletividade pode trazer oportunidades”, diz Souto, da Bloxs.

Nas empresas que seguiram abrindo captações no setor imobiliário, por enquanto, as taxas de retorno médias seguem as mesmas — ainda não subiram por causa do risco maior. “Alguns projetos podem demorar mais para pagar por causa da pandemia, mas o retorno total vai ficar no mesmo panorama”, diz Obino, da Urbe.me.

Para colocar dinheiro nesse tipo de investimento, é preciso aceitar encarar um risco alto. Não é à toa que os retornos oferecidos são atrativos. É uma forma de compensar o risco da aplicação. O investimento é mais arriscado que um fundo imobiliário, por exemplo, em que um gestor profissional diversifica os empreendimentos investidos e tem mais liquidez, que permite ao investidor sair do investimento quando quiser.

As próprias fintechs deixam claro que não querem que o investidor aloque todo o seu patrimônio nesse tipo de investimento, já que corre o risco de perder tudo. Elas recomendam investir, no máximo, 20% do patrimônio, conforme o perfil de risco do investidor.

Como funciona o investimento

Com a partir de R$ 1 mil, é possível investir em condomínios residenciais, empreendimentos comerciais e até bairros planejados. O modelo de investimento coletivo no setor imobiliário foi inaugurado no Brasil em 2015 e ainda é incomum, mas cresce no país.

Essas fintechs vieram para suprir uma demanda das construtoras: falta dinheiro no caixa para começar as obras. Para muitas empresas, estruturar títulos de dívidas como debêntures e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) custa caro e conseguir financiamento no banco é difícil.

Além do retorno atrativo, o investimento coletivo em imóveis permite ao pequeno investidor participar de um mercado que antes era mais restrito. No formato tradicional de investimento em incorporação imobiliária, o investimento mínimo é alto e o investidor precisa ter uma relação próxima com a incorporadora, o que impede que os pequenos participem diretamente desse mercado.

O investimento coletivo em imóveis é diferente de um fundo imobiliário, porque o investidor aplica diretamente em um único empreendimento e pode optar por um em seu bairro ou em sua cidade, com o qual se identifica. Já em um fundo imobiliário, um gestor escolhe vários empreendimentos para investir para os cotistas.

Para investir, a pessoa realiza o seu cadastro na plataforma e tem acesso ao portfólio de investimentos. Em seguida, escolhe o empreendimento e faz uma reserva de um investimento no valor desejado.

A oferta fica disponível para investimento por algumas semanas, dependendo da necessidade de capital da incorporadora e da disponibilidade de cotas de investimento na plataforma. Cada projeto tem um prazo, normalmente de até 36 meses, e uma expectativa de retorno com base no estudo de viabilidade.

Encerrada a rodada de investimento, o investidor confirma o aporte e realiza a transferência do valor informado na reserva. A partir de então, há dois modelos jurídicos de estruturação dos contratos possíveis.

No crowdfunding imobiliário — espécie de vaquinha virtual, regulada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — o investidor firma um contrato diretamente com a incorporadora, por meio da plataforma, e passa a ter direito a uma participação sobre as vendas do empreendimento. Quanto maior o valor de vendas dentro do prazo previsto, maior a rentabilidade do investimento — e vice-versa.

Já no peer to peer imobiliário — empréstimo entre pessoas, regulado pelo Banco Central (BC) — o investidor adquire um título de renda fixa emitido por um banco, que paga uma taxa prefixada no momento da aplicação. Esse título é um Certificado de Depósito Bancário (CDB) vinculado a uma dívida do empreendimento com o banco.

Um contrato atrela essa operação às vendas do empreendimento. Ou seja, diferente de um CDB tradicional, quem assume o risco de crédito da operação é a incorporadora, e não o banco.

A maioria das fintechs hoje trabalha com os dois modelos. Para o investidor final, na prática, há pouca diferença entre o “crowdfunding” imobiliário e o “peer to peer”.

As plataformas cobram uma taxa das incorporadoras por intermediarem a operação. O investidor recebe sua remuneração líquida de tarifas.

Nesse tipo de investimento, há incidência de imposto de renda. No modelo de “crowdfunding” imobiliário, o investimento é considerado um empréstimo para a incorporadora. Assim sendo, o imposto é retido diretamente na fonte, ou seja, o recolhimento do imposto é de responsabilidade da incorporadora.

Já no modelo de “peer to peer” imobiliário, o investimento é tributado da mesma maneira que um CDB. A alíquota — que varia de 15% a 22%, conforme o prazo — é descontada diretamente em fonte e incide apenas sobre o ganho de capital.

Fonte: Valor Investe