Fundos imobiliários de escritórios vão sofrer com o home office?

Enquanto as notícias de empresas prorrogando home office pipocam, esse é o grande assunto no mercado de fundos imobiliários de lajes corporativas: afinal, os escritórios vão acabar? Veja se vale a pena investir 

Por Júlia Lewgoy, Valor Investe — São Paulo

Nos últimos meses, a Petrobras prorrogou o teletrabalho até o fim do ano, a XP anunciou que estuda o trabalho remoto permanente e o Twitter avisou que os funcionários podem fazer home office para sempre. Enquanto as notícias pipocam, esse é o grande assunto no mercado de fundos imobiliários de lajes corporativas: afinal, os escritórios vão acabar? Gestores e investidores querem saber quais serão os impactos da rotina de home office sobre esse mercado e se há motivos para se preocupar.

Até agora, as pesquisas mostram que os funcionários querem continuar no home office após a pandemia, um “sinal verde” para as empresas pensarem em manter essa prática, que entrou na vida das pessoas muito mais para resolver um problema durante a pandemia do que para ser algo amplamente difundido. Um estudo da gestora RBR feito com 231 pessoas mostrou que o trabalho remoto é aprovado por 67% delas. Metade (50%) considera que a produtividade se manteve igual.

No entanto, analisando o longo prazo e pensando em um momento em que a vacina já tenha sido descoberta, 70% das pessoas optam pelo home office por no máximo duas vezes por semana. Estar em cargo de liderança de forma geral levou a uma menor demanda por dias de trabalho remoto.

A grande conclusão é que as pessoas estão aprovando o home office, mas os escritórios não vão acabar”, diz Bruno Nardo, sócio e gestor da RBR. “Tem esse aspecto de diminuição de demanda por escritórios por causa do home office, sim. Mas a própria crise da covid-19 requer que os escritórios tenham mudanças de layout.”

Atualmente, escritórios seguem um padrão de uma pessoa para cada sete metros quadrados. Com o novo layout, a proporção passaria a ser de uma pessoa para cada dez metros quadrados. Ou seja, em um escritório onde 140 pessoas trabalhavam, passariam a caber apenas 100. O maior distanciamento entre as mesas de trabalho tende a equilibrar a balança de uma possível vacância por causa de uma prática maior de home office.

A pesquisa da RBR também apontou que a devolução de escritórios pelas empresas envolve custos e que há riscos jurídicos, diante da possibilidade de colaboradores reivindicarem na Justiça que parte dos aluguéis e das contas deles em casa (como luz, internet, móveis e material de escritório) sejam reembolsadas pelas companhias. Além disso, a dupla jornada de trabalho e rotina familiar gera um desafio no longo prazo e a socialização das pessoas pode ser necessária.

Os escritórios são importantes para as empresas. É relevante ter um time motivado e que pensa na mesma linha”, diz Nardo.

Outra estudo realizado por Fabian Salum, professor da área de estratégia e inovação da Fundação Dom Cabral, em parceria com a consultoria e auditoria Grant Thornton, com 705 profissionais, mostrou que mais da metade (54%) vai pedir à gestão pela continuidade do trabalho remoto no pós crise. No entanto, um quinto relata preocupação sobre como será a avaliação no home office pelos chefes diretos.

Entre os desafios apontados, apareceram a resistência de gestores e a não adequação da cultura empresarial ao home office. Somente um terço dos respondentes afirmou que seu gestor ou líder é “eficaz em ajudá-lo a lidar com o trabalho remoto”.

As pesquisas sugerem que não há um consenso a respeito da efetividade do trabalho remoto para as pessoas e para as empresas e que não se sabe ainda como as mudanças seguirão depois da pandemia.

Impactos da crise além do home office

O banco Credit Suisse diz, em seu último relatório sobre fundos imobiliários, que acredita que no médio a longo prazo a discussão sobre sistemas de trabalho remoto estará cada vez mais presente, apesar das grandes dificuldades para que o home office seja adotado de forma irrestrita e em tempo integral.

No entanto, dada a severidade da crise do novo coronavírus, o Credit Suisse afirma que o maior risco de curto prazo para os escritórios corporativos não é a migração para o home office, e sim a redução de ocupação por conta de retração das empresas e a busca por redução de custos.

O cenário atual, por convicção ou falta de opção, deve pressionar as companhias a políticas mais agressivas de home office, que tendem a se normalizar no médio prazo, dadas as dificuldades. De qualquer forma, quando analisamos o mercado como um todo, temos pouca produção de novo estoque para os próximos anos, assim, ainda que haja um aumento de vacância no curto prazo, o mercado deve se equilibrar rapidamente, mantendo o ciclo de recuperação, que deverá ser mais longo, mas está mantido”, diz o banco em relatório.

É praticamente um consenso entre os gestores que o fechamento de empresas e a dificuldade para pagar os aluguéis é um risco maior para o mercado de escritórios corporativos do que o home office. No entanto, apesar do impacto na distribuição desses fundos no curto prazo, no médio a longo prazo, as perspectivas seguem boas, segundo os gestores. O principal motivo é que falta espaço em São Paulo.

Nas regiões de maior prestígio, como JK, Faria Lima, Paulista e Itaim, os escritórios são disputadíssimos. Nessas regiões, a vacâncias dos imóveis (ou seja, a taxa de desocupação) fica abaixo de 10%, e a oferta de escritórios deve continuar baixa nos próximos anos por falta de espaço.

“Vai ter um aumento de vacância nos próximos meses, mas não vai ser nada explosivo nas áreas centrais”, diz Carlos Martins, gestor dos fundos imobiliários da Kinea. Segundo o gestor, escritórios bem localizados e bem construídos vão acabar performando melhor. “Mesmo se lá na frente o impacto da crise e do home office for maior nas empresas, esses imóveis vão roubar inquilinos de outros prédios piores”.

Com a crise, o preço do aluguel desses imóveis mais disputados tende a subir mais devagar, mas deve continuar em alta, segundo gestores, justamente porque havia um desequilíbrio entre oferta e demanda. Muitas empresas querem esses espaços e não há previsão de lançamentos. Escritórios que estavam terminando as obras já tinham até negociações de pré-locação nessas regiões de maior prestígio antes da crise.

“Estava todo mundo achando que os preços iam subir muito rápido e agora não vão mais subir tão rápido assim. Mas não é pelo home office, é pelo desaquecimento da economia”, diz Brunno Bagnariolli, gestor dos fundos imobiliários da Mauá Capital.

No entanto, nas palavras do gestor, esse impacto da crise nos escritórios é uma “marola” quando comparado ao “tsunami” que o mercado vinha vivendo. Ele explica que existe uma falta estrutural de imóveis comerciais de qualidade. Por isso, conseguir alugar um prédio nas regiões mais prestigiadas ainda é difícil, mesmo na crise.

“O grande desafio dos desenvolvedores é tentar achar um novo eixo. Era o Centro, virou a Paulista, hoje é a Faria Lima. Em um dado momento chegou-se a tentar a Berrini, acabou não pegando. Agora o pessoal está explorando o norte da Faria Lima e Pinheiros”, diz Bagnariolli.

Cuidado com a região do escritório

Imóveis comerciais em regiões de São Paulo menos procuradas, no entanto, tendem a sofrer muito mais com a crise. Andre Catrocchio, sócio e diretor de relações com investidores da Hectare Capital, explica que regiões menos valorizadas sofrem duplamente.

Primeiro, porque as empresas que estão nesses escritórios mais baratos tendem a ter mais dificuldades financeiras dos que as que estão na Faria Lima. Segundo, porque se elas fecharem ou atrasarem o aluguel, a disputa por esses espaços vai ser muito menor. “Quem investe nessas regiões precisa, sim, uma preocupação maior”, diz Catrocchio.

Ele lembra que cabe ao investidor fazer o dever de casa e estudar onde está colocando o seu dinheiro e de confiar no gestor do fundo que escolheu. “Esse é o momento de ouvir o gestor, entender o que está dizendo e esperar a economia retomar. É ele que vai definir se aquele prédio é bom pra ter na carteira.”

A gestora Rio Bravo diz que, de forma geral, o impacto da crise nos fundos de lajes corporativas não será tão relevante quanto nos de shoppings. A gestora conta que recebeu propostas de empresas locatárias que pediram descontos nos aluguéis antes mesmo de ter impacto na receita. “Com a covid-19, vimos muitos oportunistas”, diz Anita Scal, sócia da área de fundos imobiliários da Rio Bravo.

Para a maioria das empresas, a gestora não deu desconto, e sim uma ajuda no fluxo de pagamentos. Locatários ganharam a chance de pagar os aluguéis dos últimos meses somente em 2021, por exemplo. E nenhuma empresa até agora pediu para reduzir os espaços alugados por causa do home office.

Afinal, é para investir em fundo de escritório?

O leitor que chegou até aqui deve estar se perguntando se, afinal, é para maneirar nos investimentos em fundos imobiliários de escritórios? E a resposta é não.