Financês em bom português: influenciadores fomentam educação financeira no país

Profissões relacionadas as áreas de tecnologia, vendas e análise de custos são as que mais devem crescer esse ano.

No começo de 2018, a família da estudante de produção audiovisual Anna Luiza Poffo, de 22 anos, começou a ver as suas dívidas se multiplicar. O motivo? A abertura, sem planejamento, de um posto de gasolina que serviria como um complemento da renda familiar. Preocupada com a própria situação e também para alivar seus pais, que a sustentavam, a catarinense começou a buscar informações sobre finanças na internet, e se deparou com o canal Me Poupe!, da influenciadora Nathalia Arcuri. “Há dois anos aplicava cerca de R$ 2 mil, na poupança. Depois de conhecer o canal, passei a considerar o Tesouro Direto. Comecei a trabalhar em um café, aumentei o fluxo de aportes, e hoje calculo meus rendimentos totais em R$ 10 mil”, contou ao CNN Business.

Anna é uma das 4,7 milhões de seguidoras de Arcuri, e uma das 15 milhões de impactadas pela plataforma, que também inclui blog, programa de rádio e redes sociais. Nos últimos anos, influenciadores na área de finanças pessoais têm democratizado assuntos que até pouco tempo atrás eram monopólio de gerentes de bancos ou de livros – muitas vezes técnicos e difíceis de decifrar. Mais que isso: têm mudado o estereótipo negativo das finanças entre os mais jovens. Na onda da popularização de investimentos no Brasil, traduzem “financês” em bom português, e são celebrados (e vistos) com a mesma relevância de acadêmicos e especialistas no tema.  

 

Considerada a YouTuber mais influente do Brasil, segundo a empresa de pesquisa Ipsos, Arcuri credita o sucesso à união entre as habilidades de comunicação e os conhecimentos financeiros. “O que faço é muito simples (…) Antes, havia comunicadores que não tinham a intenção de informar. E especialistas sem tantas habilidades de comunicação”, justifica. De “como eliminar gastos desnecessários” a “ganhar dinheiro em tempos de coronavírus”, adota uma linguagem descontraída, dinâmica e bem-humorada, elogiada por seus seguidores.

Baixa educação financeira e ‘boom’ dos influenciadores

Assim como aconteceu com a família de Anna Luiza Poffo, a falta de planejamento financeiro e, principalmente, de educação financeira, impacta a vida de milhares de brasileiros. De acordo com uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), metade da população adulta não tem controle sobre seus orçamentos financeiros. Não à toa, o país conta com mais de 61,3 milhões de endividados, segundo o último levantamento da CNDL/SPC, realizado em fevereiro. 

“Os brasileiros, na média, não consideram que podem tratar de investimentos e muitos não dominam temas relacionados a finanças pessoais. Acreditam que são temas para um grupo de ‘inteligentes’ ou para quem tem muito dinheiro”, avalia Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “É importante derrubar esse mito, pois deve ser uma preocupação coletiva. É uma conversa qualquer um pode ter. Isso favorece a todos”, acrescenta. 

Na contramão desse cenário, as redes sociais têm se tornado um grande impulsionador de conteúdos sobre finanças – e com elas, os influenciadores, claro. Nomes famosos na internet, como o de Nathalia Arcuri, Thiago Nigro, o “Primo Rico”, têm ganhado cada vez mais espaço e seguidores. 

Entre os nativos digitais, que compõem a geração Z, 47% assumem não ter controle sobre as suas finanças, também de acordo com levantamento da CNDL/SPC. “Uma vez que é no universo online e por meio das redes sociais que eles se expressam, é também nesse ambiente que é preciso investir em mecanismos de aprendizado e incentivos que façam sentido para essas pessoas, de maneira a chamar a atenção para o uso consciente do dinheiro e as boas práticas de consumo”, aponta um estudo do ano passado, realizado com jovens nascidos entre 1995 e 2010. 

É nesse caminho que os influenciadores se pautam. Atentos aos milhões de jovens na internet, os “especialistas digitais” introduziram um tema, que era visto por muitos como complexo, de uma maneira leve e, em alguns casos, despojada. Passaram a falar de investimentos, ensinando as pessoas a investirem em renda variável; explicam a importância de quitar dívidas e fazer reserva de emergência e, principalmente, trouxeram a educação financeira à pauta – independente da classe social. 

“Além da competência no conhecimento financeiro, os influenciadores mais relevantes sabem se comunicar. Traduzem o financês, que é uma língua complicada, ao português. É extremamente positivo que essa língua faça sentido e seja de domínio de todos”, avalia Adriano Gomes, professor de finanças Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Atenção aos conteúdos 

Embora os influenciadores tenham contribuído para disseminar o assunto, é preciso ter cautela. Isso porque o recente “boom” de influenciadores na área de finanças e investimentos não significa, no entanto, que a população brasileira será melhor informada, atestam especialistas. É preciso sempre checar a procedência do influenciador, sua especialidade e se é gabaritado para tratar do assunto. 

“Qualquer um pode criar um canal e começar a falar de investimentos, surfando a onda atual. É complicado para o público discernir o que é um bom conteúdo”, opina Yoshinaga, da FGV. 

Não à toa, não é difícil encontrar nas redes conteúdos generalistas. Em certos casos, por ter um público muito diversificado, alguns influenciadores podem entregar conteúdos pouco informativos e superficiais. Para Gomes, é essencial que o influenciador conheça seu público e saiba direcionar melhor o conteúdo e aprofundá-lo. “É desafiador entrar num grau de profundidade com um público tão grande e heterogêneo. No ‘Tinder financeiro’, para dar ‘match’, é preciso conhecer ao máximo os anseios e dificuldades dos seguidores.” 

Conflito de interesses

Outro ponto fundamental para garantir que o conteúdo do influenciador vai agregar é entender o que está por trás dele. Isso é: estar atento a quem são os apoiadores e patrocinadores é essencial para filtrar informações que podem estar enviesadas comercialmente, atestam os especialistas. “É necessário saber quem patrocina ou apoia, para o espectador ter condições de filtrar alguns conteúdos”, pontua William Eid Júnior, fundador da Sociedade Brasileira de Finanças e coordenador do centro de estudos em Finanças da FGV. 

Os próprios influenciadores têm essa autocrítica. “Ter parceiro não é ruim. O ruim é não entender o conflito de interesses que pode haver”, diz Thiago Nigro, fundador do canal O Primo Rico, apoiado pela Rico Investimentos. “É preciso ter filtros. (…) No meu caso, o conflito de interesses seria pedir às pessoas investirem através da Rico”, justifica.  

Outro exemplo é Gustavo Cerbasi,  autor do best seller Casais inteligentes enriquecem juntos. O especialista, que possui mais de 750 mil seguidores em suas redes sociais, é apoiado pelo banco BTG Pactual. Ambos refutam que as parcerias têm a intenção de vender produtos ou fazer publicidade das instituições. “Uso toda a estrutura do BTG, para melhorar informar sobre finanças, não para promovê-los”, defende Cerbasi.

Mesmo com riscos, Gomes, da ESPM, acredita que prefere um mundo com a existência de influenciadores na área de finanças. “É salutar que se trate de finanças de forma aberta, ampla e democrática. Não há nada mais sensível no dia a dia das pessoas, que o aspecto financeiro, do pãozinho do café até a aposentadoria”, defende. “E em momentos de crise, como atual, o trabalho deles se torna ainda mais relevante”, conclui.

Conheça alguns dos influenciadores que têm impactado o mercado

Nath, como é conhecida a paulista de 35 anos, decidiu ser empreendedora de si mesma depois de ter um projeto negado por diversas emissoras de televisão e produtoras. “Em 2012, quando ainda era repórter de TV, queria produzir um reality de pessoas endividadas que se transformassem em investidoras”, contou. Depois de muitos “nãos”, passou a estudar mais sobre economia, sobretudo da perspectiva comportamental, já com vistas a criar um projeto próprio.

Em 2014, em uma das últimas reportagens de TV, sobre violência doméstica, constatou que boa parte das mulheres que sofrem relacionamentos violentos são dependentes financeiramente dos companheiros. “Quando eu me separei, no mesmo ano, comprei a metade dos bens que era dele. Foi libertador, mágico”, diz. Um dos objetivos do projeto é justamente dar autonomia financeira, principalmente a mulheres: mais de 60% da audiência de Arcuri é feminina, e quase metade tem entre 25 e 34 anos. 

Gustavo Cerbasi,  autor do best-seller Casais inteligentes enriquecem juntos

No time de elite de influenciadores financeiros também está Gustavo Cerbasi, um dos precursores no ramo, e que ficou conhecido no começo dos anos 2000 pela autoria do best-seller “Casais inteligentes enriquecem juntos” — que posteriormente virou filme e em breve se tornará série. Com 768 mil seguidores, o gaúcho, formado em administração pública, se projetou ao incorporar a linguagem de livros de autoajuda para tratar de finanças. 

Com a repercussão de seus livros, Cerbasi passou a oferecer consultoria, palestras e cursos, e acabou se tornando  fonte recorrente de entrevistas em rádio e televisão. No Youtube, o ponto de virada foi o ano de 2016, quando um de seus sócios buscava consolidar pessoas de sucesso no mundo offline, e baixa presença no online. Segundo Cerbasi, o perfil médio de seus seguidores é composto por pessoas de 30 a 35 anos, com filhos, muitos leitores de sua literatura. 

Como um dos pioneiros da área, Cerbasi diz que prefere não estar só e elogia a multiplicidade de vozes que têm ajudado a democratizar assuntos sobre finanças pessoais na internet. “Me sentia mal quando era a única referência. É desconfortável ser chamado de guru. Estar sozinho pode gerar grandes estragos.” 

Thiago Nigro, fundador do canal O Primo Rico,

Além de Arcuri, Cerbasi elogia o paulistano Thiago Nigro, de 29 anos, mais conhecido como Primo Rico. Milionário desde os 26 anos, decidiu vender sua empresa de assessoramento financeiro, aos 27, para se dedicar à profissão de influenciador. Durante um ano, ouviu mais de 50 pessoas bem sucedidas para responder a uma questão que o inquietava: por que algumas pessoas ficavam ricas e outras não, independentemente de seu patrimônio ou capacidade profissional.

No canal “O Primo Rico”, com 3,31 milhões de seguidores, trata de assuntos com foco no mercado de ações. Um dos pontos curiosos é que Nigro promove lives em suas redes sociais às 5h. Embora pareça cedo, o número de seguidores que assistam lotariam estádios como o Itaquerão ou o Allianz Parque. 

“Há um mercado novo, inclusive com influenciadores que nunca investiram em Bolsa. Percebi que precisava ensinar de forma prática”, afirmou. Por isso, Nigro passou a investir de forma pública, em um quadro chamado de “rumo ao bilhão”, para compartilhar seu processo de tomada de decisões. “Invisto todo mês um dinheiro e as pessoas olham para o que estou fazendo, com o mercado bom ou em crise. (…) É quase um papel de psicólogo, pois dá um suporte a quem está fazendo isso pela primeira vez”, diz. 

Ramiro Gomes,  idealizador do Clube do Valor

De Porto Alegre, o cientista contábil Ramiro Gomes Ferreira, de 27 anos, é o fundador do Clube do Valor, canal que nasceu em 2016 e que reúne 492 mil seguidores. Prodígio na área financeira, comprou sua primeira ação aos 12 e começou a trabalhar no mercado financeiro aos 19.  

Como especialista, Gomes Ferreira identificou que havia uma carência de canais  que falassem ao investidor pessoa física, em um momento em que investir na Bolsa se tornava popular. Depois de um empurrãozinho de Nigro, o Primo Rico, resolveu apostar na internet. “Muitas pessoas não tinham acesso a canais, informações de fácil acesso, para aprender a investir por conta própria”, conta. No Clube do Valor, o público é formado 70% por homens, de 25 até 44 anos. 

Nathália Rodrigues, a Nath Finanças

A repercussão dos influenciadores digitais alcançou a periferia, com porta-vozes que falam diretamente ao público de baixa renda, como é o caso da fluminense Nathália Rodrigues, de 22 anos. Em menos de um ano, a estudante de administração de empresas se tornou a queridinha das finanças mais populares e tem ajudado muitas pessoas a controlar suas dívidas e organizar melhor o orçamento, por exemplo.

Em junho do ano passado, criou o canal Nath Finanças, que hoje soma 103 mil seguidores. “Minha inspiração foi um professor de matemática financeira, que me explicava um tema tão difícil de uma forma muito interessante”, conta a influenciadora, natural de Nova Iguaçu (RJ).

Com um objetivo parecido, mas focado em mulheres negras, a socióloga Gabriella Safe fundou o AfroRica$, que traz dicas de educação financeira e inserção no mercado formal a essa parte da população. “São pessoas que vêm de um contexto de baixa renda e falta de acesso a recursos. Se fortalecermos essa parte da sociedade, contribuiremos com a sociedade como um todo”, defende.

Fonte: CNN Brasil